AS TRÊS
FACES DE HÉCATE
Hécate é o arquétipo mais
incompreendido da mitologia grega. Ela é uma Deusa Tríplice Lunar vinculada com o aspecto sombrio do disco
lunar, ou seja, o lado inconsciente do feminino. E, representa ainda, o lado
feminino ligado ao destino. Seu domínio se dá em três dimensões: no Céu, na Terra e no Submundo.
Hécate é, portanto, uma Deusa
lunar por excelência e sua presença é sentida nas três fases lunares.
A Lua Nova pressupõe a face
oculta de Hécate, a Lua Cheia vai sendo aos poucos
sombreada pelo seu lado escuro, revelando o aspecto negativo da Mãe. E a Lua Minguante revela seu aspecto
luminoso. É preciso morrer para renascer.
Esta Deusa ainda permanece com o estigma de ser uma figura do mal. Essa
percepção foi particularmente consolidada na psique ocidental durante o
período medieval, quando a igreja organizada projetou este arquétipo em
simplórias pessoas pagãs do campo que seguiam seus antigos costumes e
habilidades populares ligados a fertilidade. Estes indivíduos eram
considerados malévolos adoradores do “demônio”. Hécate era então, a Deusa
das bruxas, Padroeira do aspecto virago, mas nos é impossível termos
uma imagem clara do que realmente acontecia devido às projeções distorcidas,
aos medos íntimos e inseguranças espirituais destes sacerdotes e confessores
cristãos.
Em épocas primevas, antes do patriarcado ter se estabelecido,
é mais fácil descobrir a essência interior do arquétipo Hécate e relacionar-se com ele. Hécate está vinculada com as trevas
e com o lado escuro do Lua. A Lua, na verdade, não possui luz própria. A luz
que se projeta na Lua é a luz solar. Logo, a Lua Cheia é a Lua vista pela luz do Sol. A Lua Nova Negra é, portanto, a verdadeira face da Lua.
Hécate costuma ser considerada uma Deusa lunar tríplice: Àrtemis, a
virgem, personificava a Lua Crescente
que renascia; Hécate
personifica a escura Lua Nova
e Selene, ou Deméter, eram a Lua Cheia. Ou, como as forças da Lua
em vários reinos: Selene no
Céu, Ártemis na Terra e Hécate no Mundo Inferior.
Sófocles retrata a Ártemis a imagem e semelhança de Hécate, quando a denomina a
"flecheira dos cervos, a que porta uma tocha em cada mão". Em Áulide havia duas estátuas de pedra
de Ártemis, uma com arco e
flecha e outra com tochas. Parece como se a Deusa originária da lua
contivesse o aspecto escuro e luminoso em uma só unidade.
Hécate seria uma projeção de Ártemis, pois a luz pressupõe a
sombra. O lado visível da Lua, o lado de Ártemis, que reflete a vida em pleno vigor, pressupõe o lado de Hécate, o lado oculto da lua, o lado
da sombra e da morte; a polaridade negativa, o impedimento para a realização,
o lado inconsciente.
O perigo que pode ocorrer quando esse lado sombrio se constela é o de que a
energia psíquica seja posta a serviço da morte e da doença.
Hécate, Rainha da Noite, como a chama a
poetisa Safo, leva uma diadema
brilhante e duas tochas ardentes nas mãos, olhos resplandecentes da
escuridão. Talvez se trate de uma imagem da intuição que presente à forma das
coisas, mas que todavia, é invisível. Isso explicaria por que, junto com Hermes, deus da imaginação, é guardiã das cruzes dos caminhos,
onde não se sabe qual é a direção "correta". Seus companheiros eram
os cães, animais que seguem uma rastro "cegamente". Nos lembra o
chacal Anubis do submundo
egípcio, que podia distinguir o bom do mal, e o Cérbero, o cão de três cabeças que guardava as portas do
submundo da antiga Grécia.
Hécate nos revela, os caminhos
mais escondidos e secretos do inconsciente, os sonhos guardados, o lado dos desejos mais ocultos. A Lua
Crescente, com suas fases clara e escura, também nos sugere esse domínio do
feminino.
O lado de Hécate ainda, traz
um potencial para a fertilização, desde que seja encaminhado para este fim. A
doença pode ser uma via para a saúde e a morte para servir de adubo para a
vida.
O feminino tem um movimento livre dentro do reino oculto. O terreno da magia pertence ao feminino. O
masculino está ligado aos aspectos mais claros, mais visíveis, mais
objetivos. O campo de ação da ciência
pertence ao reino masculino.
Hécate é a Deusa que pode
conduzir aos caminhos mais difíceis e perigosos, aos abismos e às
encruzilhadas da própria psique. A sua função é de guia dentro do reino
oculto da alma.
A Terra é o grande inconsciente uterino de onde brota toda a semente. É
também o lugar para onde tudo retornará. Nesse inconsciente crônico a vida e
a morte coexistem em um mesmo processo cíclico. Deste modo, o "ser"
e o "não ser" podem viver sem conflito.
Hécate é uma antiga Deusa de
estrato pré-grego de mitos. Os gregos tiveram dificuldade em enquadrá-la em
seu esquema de Deuses, mas terminaram por vê-la como filha dos titãs Perseus e Astéria, Noite Estrelada, que era irmã de Leto, que por sua vez, era mãe de Ártemis e Apolo. A avó de Hécate
era Febe, uma anciã titã que
personificava a Lua. Dizia-se
que Hécate seria uma
reaparição de Febe, e portanto
uma Deusa Lunar, que se manifestava na lua escura.
Outras tradições tomaram-na por uma Deusa mais primal, fazendo dela irmã de Erebo e de Nix (a Noite).
Zeus deu-lhe um lugar especial
entre os Deuses, porque, embora ela não fosse membro do grupo olímpico,
permitiu-lhe o domínio sobre o Céu, a Terra e o Mundo Inferior. Ela é, pois,
a doadora da riqueza e de todas as bênçãos da vida cotidiana.
Na esfera humana, cabia-lhe presidir os três grandes mistérios do nascimento, da vida
e da morte. Seu nome significa
"a distante, a remota", sendo ela vista como protetora dos lugares remotos, guardiã das
estradas e dos caminhos.
Seu aspecto tríplice tornava-a especialmente presente nas encruzilhadas, ou
seja, na convergência de três caminhos. Nesses locais, os gregos podiam
encontrar-se com facilidade com Hécate,
razão por que os consideravam sagrados, erigindo aí com freqüência estátuas tricéfalas chamadas
Hecatéias. Também deixavam oferendas do seu alimento ritual, o "almoço de Hécate", nessas
encruzilhadas durante seus festivais especiais.
Os três símbolos sagrados de Hécate são:
- a Chave, por
ser ela carcereira do Mundo Inferior;
- o Chicote,
que revela o seu lado punitivo e seu papel de condutora das almas;
- e o Punhal,
símbolo de seu poder espiritual, que mais tarde tornou-se o Athame das bruxas.
Todos os animais selvagens
eram consagrados à Hécate e
por isso, foi mostrada muitas vezes com três cabeças de animais: o cão, a serpente e o leão,
ou alternadamente, o cão, o cavalo e o urso. Seus animais mais conhecidos são entretanto, o cão e o lobo.
O cipreste era
a árvore sagrada da Deusa.
Na mitologia grega, Hécate,
como representação da Lua Escura,
aparece sempre acompanhada por cães que ladram. Como Deusa Tríplice, podia aparecer na representação de um cão com três cabeças (cão da lua), para lembrar de que em
eras passadas ela própria era o cão da lua. Sua qualidade trina é
representada também em estátuas posteriores, onde aparece como mulher tripla.
Freqüentemente carregava consigo o cão que ela própria havia sido, ou uma tocha, emblema lunar, que é seu
poder de fertilidade e seu dom
especial.
No Submundo, ou Mundo Inferior, Hécate é a carcereira e condutora
das almas, a Pritânia, a
"Rainha Invisível"
dos Mortos. Tendo passado por Cérbero,
o cão tricéfalo, e tendo sido julgadas pelos três Juízes dos Mortos (Minos,
Radamando e Éaco), as almas devem chegar às encruzilhadas tríplices do
Inferno. Nesse ponto, Hécate
envia ao reino para o qual foram julgadas adequadas: para as campinas do Asfódelo, para o Tártaro ou para os Campos Elíseos.
Como aspecto de Deusa Amazona,
a carruagem de Hécate era
puxada por dragões. As
mulheres que a cultuavam normalmente tingiam as palmas das mãos e as solas
dos pés com hena.
Seus festivais aconteciam durante a noite, à luz de tochas. Anualmente, na
ilha de Aegina no Golfo Sarônico, acontecia um
misterioso festival em sua honra.
Hécate está associada a cura,
profecias, visões, magia, Lua Nova, magia negra, encantamentos, vingança,
livrar-se do mal, riqueza, vitória, sabedoria, transformação, purificação,
escolhas, renovação e regeneração.
HÉCATE: PADROEIRA DAS BRUXAS
A Deusa Hécate, segundo
algumas versões, recebeu o título de "Rainha dos Fantasmas" e "Deusa das Feiticeiras". Para protegerem-se, os gregos
colocavam estátuas da Deusa na entrada das cidades e nas portas das casas.
Medéia, que era uma de suas
sacerdotisas, praticava bruxaria para manipular com destreza ervas mágicas e
venenos, e ainda, para poder deter o curso dos rios e comprovar as
trajetórias das estrelas e da lua.
Como Deusa Feiticeira tinha
cães fantasmas como servos fiéis ao seu lado.
Há um grande números de bruxas que, ainda hoje, são devotas de Hécate, pois se sentem atraídas
pelos aspectos escuros da Deusa.
Hécate, como Anciã e Deusa da Lua Escura, compreende o "poder do silêncio".
Muitas viagens espirituais incluem um período de muita meditação e silêncio. É essencial praticarmos o silêncio em nossos rituais e meditações, pois só o silêncio abre as portas da
consciência universal.
Foi a Deusa Hécate que
introduziu o alho como amuleto de proteção contra inimigos, roubo, mau tempo
e enfermidades. Todos os anos,
a meia-noite do dia 13 de Agosto (Noite
do Festival de Hécate), deve-se depositar cabeças de alho em encruzilhadas
como oferenda de sacrifício em nome de Hécate.
HÉCATE HOJE
Hoje podemos nos relacionar com Hécate
como uma figura guardiã do nosso inconsciente, que tem nas mãos a chave dos
reinos sombrios que há dentro de nós e que traz as tochas para iluminar nosso
caminho para as profundezas de nosso interior.
Nossa civilização patriarcal talvez tenha nos ensinado a temer
esta figura, mas se confiarmos em suas energias antigas, encontraremos nela
uma gentil guardiã.
Ela está presente em todas as encruzilhadas que existem em
todos os níveis do nosso ser, manifestando-se como espírito, alma e corpo.
Devemos reconhecer que a imagem terrível, tenebrosa e horrenda de Hécate é um mero registro do medo
inconsciente do feminino que os homens, imersos em um patriarcado unilateral,
projetaram ao longo de milênios nesse arquétipo.
Temos que encarar nossa Hécate interior, estabelecermos uma relação com ela e, confiando
na sua assistência, permitir a nós mesmos o desenvolvimento de uma percepção
desse rico reino do nosso Mundo
Inferior Pessoal. Somente por meio dessa atitude poderemos nos tornar
seres integrados, capazes de lidar com as polaridades sem projetar de
imediato dualismos.
Ao passar por uma encruzilhada,
você irá se deparar com Hécate
e ela dirá que nossas vidas são feitas de escolhas. Não existem escolhas certas ou erradas, mas sim,
somente escolhas. Independente do que escolher, a experiência, por si só, já
é algo valioso. Hécate insiste
para que não tenhamos medo do desconhecido. Os desafios apresentados precisam
de um salto de fé da pessoa que faz a escolha. Confie que será capaz de fazer
uma escolha quando chegar a hora. Conceda-se tempo e espaço, nunca se censure
ou se culpe, apenas faça sua escolha.